Kleber Mendonça Filho volta a filmar Recife, reforçando o gesto de olhar sua terra como um ato político e profundamente afetivo.

Em O Agente Secreto, o diretor faz da ausência de respostas um espelho do país: quem somos quando o registro se perde? O que resta é confiar na lembrança, essa forma viva e frágil de manter a história acesa.
O Agente Secreto se passa em 1977. Então, como falar do período da ditadura militar no Brasil sem falar em ditadura, ou até mesmo sem quase citar o governo? Essa é a grande sacada do longa. Kleber não quer falar sobre o regime, quer que o espectador sinta. Sinta a dor da ausência, a falta de explicações e perceba os efeitos desses anos de terror. E ainda vai além: mostra que talvez a gente nunca saiba realmente tudo o que aconteceu.
Até o título do filme fala sobre isso. Afinal, quem é O Agente Secreto? A resposta fica para quando você assistir, mas já adianto que é mais uma das grandes sacadas do cineasta. Outra dica: veja antes Retratos Fantasmas, disponível na Netflix. Você vai adorar reconhecer as referências que Kleber Mendonça Filho apresentou no documentário de 2023.

Wagner Moura é o rosto do filme e merece, sim, todos os prêmios que levou (e ainda vai levar) por seu Marcelo, um homem envolto em mistérios sobre seu retorno a Recife e o que está acontecendo em sua vida. Porém, reduzir o filme à performance dele seria injusto. O Agente Secreto é um conjunto de almas, e é na convergência entre elas que o filme se encontra.
Entre essas presenças está Sebastiana, vivida pela maravilhosa Dona Tânia, uma senhorinha que cuida das vidas que surgem em sua porta. Ela representa tantas mulheres brasileiras, guardiãs de memórias, de casas e de segredos, que sustentam o invisível. Como ela, todos os personagens que orbitam o protagonista dão ao filme uma textura coletiva. Essa história é do Marcelo, mas não só dele. Foi de muitos e ainda é de todos nós.

Outro ponto essencial é como Kleber trabalha o resgate cultural e transforma o cotidiano em arquivo vivo. Em O Agente Secreto, ele confia na memória como ferramenta de resistência — imperfeita e extremamente necessária. Suas narrativas se constroem a partir da oralidade, do testemunho e dos gestos que atravessam o tempo. O diretor compreende que registro não é apenas o que está no papel, mas no suor e aperto de um bloco de carnaval, nas conversas de corredor, no imaginário envolvendo um tubarão.
Essa fragilidade das histórias contadas pode, em algum momento, parecer como pedaços faltantes do filme, como se o roteiro escolhesse não explorar essas pessoas, essas vivências, como no grupo de “refugiados”. E aqui está exatamente a beleza dolorosa: esse sentimento de que algo está incompleto. E isso não é uma escolha arbitrária, mas sim mais uma representação verdadeira dos efeitos desse período na história do Brasil.

Kleber não se importa com os olhares que o acusam de insistir em mostrar Recife, sua gente, seu cinema — e é dessa teimosia que nasce sua obra. O Agente Secreto é tão Brasil quanto Pernambuco, e é tão pernambucano que incomoda um país que ainda insiste em menosprezar o Nordeste.
Mas há uma quebra de ritmo na conclusão do longa que pode desagradar alguns: Kleber opta por não revelar os detalhes do que acontece no final, justamente para que sintamos os efeitos provocados pela ausência dessas respostas. No jornal tem a notícia, mas quem eram essas pessoas? E quem eram as pessoas que os jornais nem mostraram? Isso, nem o diretor consegue responder.

O Agente Secreto não quer fechar narrativas, mas abrir cicatrizes. É um filme sobre o que desapareceu e sobre o que permanece — e sobre a coragem de continuar lembrando.
Nota: 4,5/5
Longa assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
