A estreia de James McAvoy na direção pode não ser ousada, mas é segura e honesta. O ator escocês escolhe contar uma história local e inusitada, e talvez por isso o resultado soe tão divertido.

Assisti ao filme durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2025, e California Schemin’ me pegou de surpresa. Inspirado na trajetória real de “Silibil N’ Brains”, dupla escocesa de hip-hop que, no início dos anos 2000, fingiu ser californiana para conquistar visibilidade na cena musical britânica, o longa transforma uma mentira em símbolo de resistência criativa.
Com sotaques e estilos forjados, Gavin Bain e Billy Boyd enganaram todos e chegaram a assinar contrato com a Sony Music UK. O absurdo da história é tamanho que só parece crível quando, nos créditos finais, vemos as imagens caseiras feitas pela dupla, uma prova de que, sim, tudo aquilo aconteceu.

Baseado no livro de memórias California Schemin’ (2010), escrito por Bain, o filme transforma o delírio em retrato social. McAvoy filma com um olhar empático para aqueles jovens esquecidos, trabalhadores de call center em Dundee, sem grandes expectativas de futuro, mas movidos por um sonho inabalável: fazer música, custe o que custar.
Porém, as melhores cenas surgem quando o diretor desacelera. Nos momentos íntimos, dentro de um carro ou ônibus, a dupla improvisa rimas com uma certa inocência e persistência que conquista. McAvoy sabe capturar esse contraste entre a euforia de sonhar e o peso de sustentar uma mentira.
Séamus McLean Ross (Gavin) e Samuel Bottomley (Billy) são bons. Gavin, com sua instabilidade emocional, nos conduz por uma espiral de solidão. Ele quer ser alguém, e se perde no próprio disfarce. Billy, por outro lado, representa o chão — o amigo fiel, o elo com a realidade, mas não menos suscetível aos “encantos” do sucesso. É através dessa amizade que o filme encontra seu coração.

Não há vilões em California Schemin’. A verdadeira antagonista é a própria indústria musical, aquela que padroniza sotaques, ridiculariza o que não se encaixam e molda artistas conforme a conveniência do mercado. A farsa dos protagonistas nasce como resposta a isso: quando se apresentaram como escoceses, foram rejeitados; quando fingiram ser americanos, foram celebrados. É uma crítica tão ácida quanto trágica.
McAvoy ainda aparece em uma breve participação como o dono da gravadora que contrata a dupla — apenas para o público que o ama e claro, bilheteria, mas que reforça seu envolvimento emocional com a história. É uma escolha simbólica: o astro internacional voltando às origens, dirigindo e interpretando dentro de uma fábula sobre pertencimento e ambição.
E se essa comédia chama atenção pela estranheza da história, também brilha pela trilha sonora. Destaque para as músicas “Medicine” e “Superhero”, que capturam o espírito “MTV” da época e o ritmo das ilusões que movem Gavin e Billy.
California Schemin’ não é apenas sobre dois impostores, mas sobre o que se sacrifica para ser ouvido. Um retrato agridoce sobre sonhos e o preço da autenticidade, e uma estreia que mostra que McAvoy poderá encontrar seu caminho também como cineasta.
Nota: 4/5
