Cruzar as fronteiras entre o suspense erótico e o noir queer é uma ousadia excitante – e é justamente nesse encontro que Ato Noturno conquista.
Exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2025 e com estreia prevista para 15 de janeiro nos cinemas, o novo longa de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon transforma o sexo em instrumento político.
A história acompanha Matias (Gabriel Faryas), um ator em busca de espaço, e Rafael (Cirillo Luna), um político em ascensão. Entre eles nasce uma relação clandestina, marcada por desejo, poder e perigo. Unidos por um fetiche arriscado, eles testam os limites entre prazer e exposição. À medida que a visibilidade e a ambição crescem, o risco passa a integrar suas existências.

O filme é ambientado em Porto Alegre, uma cidade que, assim como a narrativa dos personagens, oscila entre liberdade e conservadorismo, entre o corpo que quer existir e o olhar que o vigia. Como gaúcha e moradora da cidade, foi reconfortante ouvir o sotaque, reconhecer os espaços e ver os lugares por onde passo diariamente ganharem novos sentidos.
Em Ato Noturno, esses cenários se transformam em espetáculo, por vezes dolorosa, mas conduzida com tamanha sensibilidade que a dor se recusa a virar identidade. Aqui, ela se converte em tesão. Nas mãos de Matzembacher e Reolon, Porto Alegre é um corpo vivo: uma ferida que insiste em sangrar, mas em uma pele que se expõe para continuar vivendo.
A fotografia, sempre dividida entre luz e penumbra, cria uma sensação constante de voyeurismo, como se o público participasse de algo íntimo e proibido. A trilha sonora, pulsante, acompanha o compasso do desejo e do medo, tornando o som tão expressivo quanto o toque.

A química entre Faryas e Luna é hipnótica. Há uma fisicalidade recorrente no filme, mas entre eles ela se revela delicada e inquieta: o olhar que hesita, o corpo que cede ao perceber-se visto. O destaque também vai para Henrique Barreira, que interpreta Fábio — colega de Matias que disputa um papel em uma série e, ao mesmo tempo, reflete as inseguranças e ambições do protagonista. Sua presença reforça o tema do desempenho: no palco, na cama, na vida pública.

O grande mérito de Ato Noturno é ir além do erotismo. O filme desnuda o desejo e o perigo como partes inevitáveis da liberdade. Enquanto a sociedade tenta domesticar quem foge da norma, os diretores permitem que seus personagens existam nas sombras — não para se esconder, mas para respirar. Até que transborde, a ponto de nem eles nem nós querer vê-los ocultos.
Cada cena carrega o peso do olhar social e da culpa aprendida. E é nesse espaço entre exposição e repressão que o filme encontra sua essência: o amor como resistência, o desejo como afirmação política.
No fim, Ato Noturno é menos sobre o sexo em si e mais sobre o direito de sentir — sobre corpos que recusam amarras, mesmo quando o mundo insiste em prendê-los.
Nota: 5/5

