Em Sonhar com Leões, Gilda (Denise Fraga) enxerga o fim da linha após receber um diagnóstico de câncer que lhe dá apenas mais um ano e meio de vida. Conformada com a doença, Gilda sonha em morrer com dignidade e sem dor.

Crédito: Divulgação / Pandora Filmes
Após quatro tentativas de suicídio fracassadas, ela vai em busca de uma organização clandestina chamada Joy Transition International, que promete ensinar pacientes terminais a chegar ao fim da vida sem dor ou problemas em países onde a eutanásia é ilegal.
Gilda embarca nessa jornada de palestras, workshops e aulas ao lado do tímido jovem Amadeu, outro paciente sem perspectiva que ela conhece na corporação. Juntos, os dois acabam vivendo uma jornada em busca do controle sobre a própria situação.
O diretor e roteirista Paolo Marinou-Blanco falou antes da sessão do filme no 53º Festival de Cinema de Gramado e afirmou que o filme não seria o mesmo sem Denise Fraga — e ele estava absolutamente certo.

Denise Fraga é a alma do filme. Tudo que funciona é graças à sua atuação forte e, ao mesmo tempo, sensível. De uma forma que lembra bastante outros trabalhos anteriores, Denise quebra a quarta parede e nos aproxima das dores, anseios e, principalmente, dos questionamentos que sua personagem carrega. O longa começa com uma cena pesada, e todo o primeiro ato é pautado em sua decisão de acabar com a própria vida — ou melhor, de ter o poder de decidir como deve partir.
Essa é a grande pauta que o diretor nos faz discutir. A eutanásia ainda é um grande tabu na sociedade e merece mais atenção, e é isso que a protagonista Gilda coloca em debate. Mais do que falar sobre o tema, ela mostra o quanto é difícil tomar essa decisão, e ainda mais difícil executá-la, já que a prática é permitida em pouquíssimos lugares do mundo.
Paolo Marinou-Blanco escolhe abordar o assunto a partir da tragicomédia, o que torna perfeita a parceria com Denise Fraga, especialista no gênero. Discutir a morte a partir de um viés cômico é sempre uma saída inteligente. Rir das mazelas pode ajudar a enfrentar momentos difíceis com alguma leveza, tornando assuntos delicados mais palatáveis. Claro que isso tem um preço: quando a realidade bate à porta, ela bate com força. E o filme chega lá — e, quando chega, dói.
Até aí, tudo estava bem estruturado, até a entrada de Amadeu, vivido pelo ator português João Nunes Monteiro. Amadeu se torna seu companheiro de grupo, aproximando os dois e trazendo à tona uma discussão entre o desejo de morte e o desejo de vida. Nesse ponto, percebemos que Gilda não deseja a morte: ela deseja a vida. E essa é a grande mensagem do filme: trata-se da vontade de viver — e viver bem.

Crédito: Divulgação / Pandora Filmes
Mas quando o filme revela mais sobre Amadeu, uma nova discussão se instala. O personagem também busca o fim da própria vida, mas sua condição é diferente da de Gilda. Essa diferença é extremamente significativa para a discussão da eutanásia, mas o filme praticamente a ignora, e aí está o problema. Entende-se que a história não é sobre Amadeu, e sim sobre Gilda, mas dentro do contexto do tema, sua perspectiva seria importantíssima. O silêncio nesse ponto enfraquece a narrativa.
Nesse momento, é inevitável lembrar de O Quarto ao Lado, filme de Pedro Almodóvar (2024), em que a protagonista também busca o fim da vida frente a uma doença terminal. Ali, a melhor amiga assume o contraponto da decisão, permanecendo contrária, mas apoiando-a até o fim, o amplo sentido do companheirismo que a protagonista precisava.
Em Sonhar com Leões, Gilda também procura por essa pessoa e acredita tê-la encontrado em Amadeu. Mas a forma como o filme conduz o terceiro ato enfraquece essa relação, acelerando uma intimidade que não chega a se sustentar no roteiro, culminando em uma relação amorosa pouco convincente.
Além de Amadeu, o filme apresenta outros personagens importantes na jornada de Gilda: o marido Lúcio (Felipe Rocha) , o pai em um flashback — uma das melhores cenas do longa — e a própria Joy Transition International.
O marido representa o ponto de isolamento de Gilda: ele não aceita a decisão da esposa e, por isso, ela recorre à quebra da quarta parede, buscando no público um apoio que, aos poucos, vai sendo substituído por Amadeu. Já o pai simboliza a origem de Gilda, também ele sofrera em seus dias finais em uma cama de hospital, incompreendido em seu processo de partida. Por fim, a organização cumpre o papel mais cômico da trama, representando todos que tentam se aproveitar do sofrimento humano. Sua saída abrupta do enredo faz sentido diante da centralidade da jornada de Gilda.
No fim, o grande problema é que o filme aborda a escolha pelo fim da vida por dois pontos de vista: um é explorado, o outro, infelizmente, não. Isso não torna a discussão leviana, mas a deixa incompleta, especialmente diante da relevância do tema.

Sonhar com Leões estreia em 11 de setembro nos cinemas brasileiros. Cabe destacar que o longa lida com temas delicados e pode acionar gatilhos. Ainda assim, é uma experiência que vale a ida ao cinema.
