Crítica | Papagaios: o suspense ácido que mostra até onde alguém pode ir pela fama — muito antes da era do “TikTok”

Papagaios foi o segundo longa apresentado na Mostra Competitiva do 53º Festival de Cinema de Gramado. O primeiro longa de ficção do diretor e roteirista Douglas Santos terminou a noite recebendo muitos elogios do público e da crítica ao final da sessão.

Elenco e parte da equipe do filme “Papagaios” na exibição do longa no 53° Festival de Cinema de Gramado.

Ambientado em Curicica, Zona Oeste do Rio de Janeiro, Papagaios acompanha Tunico e Beto. O primeiro é uma subcelebridade, representante dos conhecidos “papagaios de pirata”, figuras que perseguem repórteres apenas para aparecer na TV, sem se importar com o motivo: seja em matérias sobre tragédias e velórios de famosos ou no noticiário cotidiano. Já o Beto é apenas mais um jovem que sonha em ser visto. Após um grave acidente em um parque de diversões, o caminho dos dois se cruza, e o misterioso Beto passa a ser aprendiz de Tunico. A relação entre eles coloca em jogo as consequências da busca desenfreada pela fama.

Cena do filme “Papagaios”.
Crédito: Divulgação/ Olhar Filmes

O que mais chama atenção em Papagaios é o paralelo traçado entre duas eras da busca por notoriedade: o passado, em que TVs e jornais eram as grandes portas de entrada para quem queria ser reconhecido, e o presente, dominado pela explosão das redes sociais e pela cultura do meme, que cria celebridades instantâneas e efêmeras. Curiosamente, o diretor contou em entrevista que a ideia do filme é anterior a esse cenário atual, tendo sido pensada e escrita em 2015, a partir de suas próprias memórias de morador de Curicica, onde conviveu de perto com esses “papagaios de pirata”.

Mesmo sem situar a narrativa em uma data específica, o filme constrói uma atmosfera atemporal. O design de produção traz referências do fim dos anos 90 e início dos 2000, mas o discurso sobre a busca pela fama se mantém atual.

Cena do filme “Papagaios”.
Crédito: Divulgação/ Olhar Filmes

O longa é protagonizado por Gero Camilo e Ruan Aguiar, que dão vida a personagens opostos, mas unidos pelo mesmo objetivo: alcançar a fama como forma de ascensão social. O roteiro constrói uma relação marcada pela vontade de reconhecimento de Tunico — que encontra em Beto uma espécie de discípulo — e pela obsessão de Beto, que começa como admiração e evolui para algo perturbador.

Uma frase se repete ao longo da trama: “a fama deve ser buscada custe o que custar”. Proferida inicialmente por Tunico como um ensinamento, ela é levada ao extremo por Beto, que a interpreta de forma literal. Não há grandes revelações ou mistérios; o suspense nasce da escalada das ações de Beto, que conduz a narrativa até um desfecho surpreendente.

Gero Camilo entrega um personagem cativante, capaz de conquistar o público pela autenticidade. Já Ruan Aguiar surpreende com sua atuação silenciosa e intensa: mesmo com poucas falas, seu olhar carrega o peso da transformação do personagem, transmitindo camadas profundas ao espectador.

Elementos de suspense e até de terror permeiam a obra, criando uma tensão constante, a sensação de que algo sempre pode acontecer. Beto emerge como uma figura capaz de tudo, mesmo sem que suas ações mais brutais precisem ser mostradas em tela.

Cena do filme “Papagaios”.
Crédito: Divulgação/ Olhar Filmes

Douglas Santos também incorpora elementos documentais, trazendo figuras reais como Leo Jaime e Babi Xavier interpretando a si mesmos, além de uma crítica direta à imprensa, mostrada como engrenagem que sustenta e alimenta esse ciclo da fama.

Ao final, Papagaios deixa caminhos abertos para que o espectador reflita sobre até onde pode ir essa história e o quanto ela dialoga com a nossa própria realidade. Uma estreia marcante no Festival de Gramado que promete gerar discussões quando chegar às salas de cinema.

Atualmente, o longa ainda não tem data de estreia confirmada, mas merece sua atenção quando chegar nos cinemas.

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