Chega esta semana aos cinemas, mais precisamente no Dia dos Namorados, uma carta de amor em forma de filme. Sim, uma carta apaixonada ao cinema, ao cinema de gênero, ao cinema nacional, ao terror.
Mas, diferente daquela carta perfumada, com coraçõezinhos caprichados, esta aqui é escrita com sangue, suor, paredes descascadas e um leve cheiro de mofo. Prédio Vazio é exatamente isso: uma declaração aterrorizada e apaixonada de quem cresceu assistindo VHS com as luzes apagadas e, um dia, decidiu contar histórias que arrepiam.

Rodrigo Aragão: o alquimista do horror nacional
Para quem acompanha o terror brasileiro, Rodrigo Aragão não é novato nessa roda, é praticamente o tio (com todo respeito, viu, Rô) do terror underground nacional. Aquele que aparece no churrasco com o cooler cheio de tripas cenográficas e ideias mirabolantes. Mas, neste filme, ele se reinventa. Se antes o horror de Aragão era mangue, lenda e terra molhada, aqui vira concreto, abandono e elevador quebrado. O cenário muda, mas o pesadelo permanece. E mesmo em nova paisagem, o DNA segue o mesmo: guerrilha criativa, estética visceral e uma paixão irreprimível por contar histórias do avesso da realidade.

O vazio como metáfora do horror urbano
Na superfície, a história é simples: Luna procura pela mãe desaparecida no fim do Carnaval em Guarapari. Mas o que parece uma busca íntima, quase banal, logo se transforma numa travessia sobrenatural. Ao entrar naquele prédio abandonado, ela cruza um portal, não só entre mundos, mas entre estados de existência: o luto não vivido, a saudade não compreendida, a ausência que se materializa como assombração.
Cada andar é uma camada de memória, cada porta, um confronto com o insólito. Rodrigo Aragão não quer sustos fáceis, mas sim criar um ambiente onde o verdadeiro terror mora na alegoria: uma cidade que finge estar viva, relações mortas há tempos e pessoas que parecem ter perdido o sentido no mundo.

Esse “vazio” do título ganha um peso diferente: não é só o prédio que está vazio, mas todos os personagens e, quem sabe, até o espectador diante do que vê, vazio de respostas, afeto e futuro. É uma analogia escancarada do mundo atual, em que Aragão ilumina (ao seu jeito) esse vácuo emocional e social.
Guarapari, que dias antes pulsava vida no Carnaval, agora surge no filme como uma cidade mística, quase muda, tentando se recuperar de um trauma coletivo. O prédio abandonado reflete tudo isso: esquecido pela cidade, pela especulação imobiliária e pela memória, mas que persiste carregando ecos e fantasmas. Rodrigo Aragão transforma essa paisagem em um labirinto emocional. Luna não está apenas procurando a mãe, mas mergulha fundo em um luto que o filme não tem pressa de explicar. Quanto mais ela avança, mais entendemos que não há saída fácil para o que habita ali dentro.

Estética da gambiarra com identidade própria
É aqui que Prédio Vazio brilha: uma estética que não tenta esconder o orçamento enxuto, mas o transforma em força criativa. Longe de defeito, vira assinatura. Rodrigo Aragão faz cinema como quem monta uma gambiarra engenhosa, com fita crepe, paixão e uma precisão que só quem sabe muito bem o que faz pode ter.
É o espírito do fazer cinema — direção afiada, domínio estético e um amor visível pelo gênero. Tudo cria uma experiência sensorial: o som pulsa como parte da narrativa, a luz brinca mais com o que esconde do que com o que revela, e a atmosfera pesa no peito, uma verdadeira aula de terror brasileiro.

Atmosfera, não susto: o terror que chega devagar
As atuações acompanham o ritmo quase teatral do filme, transitando entre um realismo cru e um expressionismo sombrio. Lorena Corrêa se destaca como uma final girl inesquecível, carregando no olhar toda a tensão e a força da busca de Luna.
Mas é Gilda Nomacce quem realmente rouba a cena com uma performance hipnótica e multifacetada. Ela consegue transmitir, com uma naturalidade quase assustadora, aquela sensação de loucura, seu corpo e seu olhar aterrorizam na mesma proporção. É impossível desviar o olhar quando ela está em cena; Gilda encarna o mistério e o desconforto do filme como poucas atrizes conseguem, criando uma personagem que assombra não só o espaço físico do prédio, mas também o emocional do espectador.

Rejane Arruda e Caio Macedo também cumprem seu papel com performances que ampliam ainda mais a sensação de desconforto e mistério. Eles não estão para gritos ou exageros, mas para fazer você sentir o silêncio opressor daquele prédio.
E falando em sentir: o espaço funciona quase como um personagem vivo, o prédio parece respirar, ranger e sussurrar, implorando para ser deixado em paz. O espectador consegue sentir a umidade na pele, a solidão e o desamparo apertando o peito. Nada de sustos fáceis, embora eu tenha dado alguns pulinhos assistindo. Prédio Vazio não grita mas sim cochicha um terror que se instala devagar.
Para completar o clima, os efeitos especiais artesanais feitos pelo próprio Aragão dão um toque físico e visceral, reforçando a autenticidade da experiência. Dá para sentir que tudo foi feito à mão, com cuidado e paixão, um diferencial para mergulhar de vez nessa atmosfera.

Prédio Vazio: o pulso vivo do terror nacional
No fim, Prédio Vazio é o puro suco do cinema nacional de guerrilha. Feito na raça, com paixão, sem tentar ser mais do que é: uma obra feita por quem realmente ama o terror. Não só o gênero, mas aquela sensação única de desconforto crescente, o silêncio grudado na pele, a expectativa sufocante e, claro, o arrepio subindo pela espinha. E isso, meu amigo, não tem orçamento que compre.
Se o plano para o Dia dos Namorados é ficar abraçadinho, já sabe: nada melhor do que um filme no cinema, ainda mais um que mistura amor e aquele medinho gostoso. Mas fica o aviso: depois de Prédio Vazio, pode ser que vocês queiram dormir com a luz acesa. Ou, no mínimo, trancar a porta. E se ouvir algum barulho no corredor… amigo, nem pense em abrir!
Vale a pena?
Vale e muito. Prédio Vazio não é filme que grita para ser notado, é aquele sussurro que fica contigo depois das luzes acesas. Cinema que te pega pelo medo mais profundo, que não depende de efeitos caros para ser genuíno. Se curte terror com alma, que respeita o espectador e traz o Brasil para o jogo, esse é o filme.
Nota pessoal: 4.5/5
Assista ao trailer:
